Festa Literária Internacional de Paraty é aberta saudando Exu

Festa Literária Internacional de Paraty é aberta saudando Exu

A primeira mesa da 22ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), realizada na noite de ontem (09/10), foi conduzida pelo professor e historiador Luiz Antonio Simas, conhecido por sua notória capacidade de envolver o público em suas aulas vibrantes. Dito e feito, Simas lotou o auditório da Matriz para falar sobre João do Rio, autor homenageado do evento este ano. Já na abertura, agitou a plateia saudando Exú, o orixá da comunicação e dos caminhos nas religiões de matrizes africanas.

Na maior festa literária do Brasil, Simas iniciou sua fala a partir de um Ìtàn – mito em Yorubá – de Exú, trazendo a ancestralidade africana para a narrativa da vida e obra de João do Rio: “Para que Exu conduza o nosso caminho e para que Exu abra Paraty para a festa, abra Paraty para João do Rio e para todo mundo. Exu é o orixá que manda no corpo, é o mensageiro, é o dono da rua, é o festeiro, é o alegre, é o que nos traz vivacidade. E eu queria pensar em João do Rio a partir de um Ìtàn de Exú”.

A aula trouxe à tona a herança africana na história do Brasil e as tentativas de embranquecimento social no início do século 20, que levaram ao apagamento cultural que impacta o país até os dias atuais, e como isso estava presente nos registros feitos por João do Rio. Simas abordou os contextos sociais, econômicos e culturais do Rio de Janeiro e do Brasil, observados por João em sua época, dando destaque ao olhar do escritor para as manifestações das favelas e das ruas e a resistência dessas culturas.

“Um lugar onde as manifestações culturais não-brancas eram criminalizadas. A cidade em que João do Rio viveu é uma cidade profundamente marcada pela diáspora. Pela diáspora africana, pela diáspora cigana, pela diáspora judaica, mas certamente a diáspora africana é a mais impactante e isso perpassa a obra de João do Rio. (…) Toda diáspora é um empreendimento de morte, é um empreendimento que aniquila laços de pertencimento, sequestra identidade, estraçalha o sentido comunitário da vida. Mas se toda diáspora aniquila o sentido comunitário da vida, toda cultura de diáspora reconstrói de forma inventiva aquilo que foi aniquilado”, destacou o historiador.

Simas ressaltou ainda a importância da obra de João no registro de fatos históricos, sendo testemunha de tempos de ausência de direitos e condições precárias de vida, que escancararam um Brasil desigual e cruel.

“As situações absolutamente insalubres em que muitos trabalhadores brasileiros, sobretudo trabalhadores da rua, viviam. A questão da mulher, ela está em João do Rio. Ele é contemporâneo, quando levanta questões ligadas aos direitos da mulher. João do Rio é um sujeito pertinente para que a gente pense no sistema penal e carcerário brasileiro, porque você lê João do Rio e vê como era infame o sistema carcerário do Brasil. E você conclui que em 2024 ele continua sendo infame”.

Trazendo para os tempos atuais, a análise histórica de Simas, a partir da obra de João do Rio, debateu ainda como o Brasil foi estabelecido por meio de um projeto de desigualdade, que deixou marcas até hoje, segundo o professor:

“O que assusta mais e assombra, em alguma medida, é entender que, quando você lê João do Rio, ele está falando de um Brasil que escancara os seus dilemas. Porque o Brasil que João se preocupou em pesquisar, em reportar, com fascínio, às vezes com preconceito, com medo, com assombro, com alegria, esse Brasil foi pensado como um projeto bem-sucedido de exclusão, de desigualdade, de concentração da riqueza. Nós somos um país desigual não porque as políticas públicas deram errado, nós somos o que somos porque, na maioria das vezes, elas deram certo”, afirmou Simas.

Com informações de Marcela Canéro, em colaboração para a Revista Fórum

Claudio Kubiaki

Claudio Kubiaki é presidente do Instituto Nação Aruanda, idealizador e administrador da Rádio Atabake.
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