OAB-PA deverá representar contra atuação do Ministério Público que pede o fechamento de Terreiro

*Na foto, Dr Rodrigo e Mãe Jú (Reprodução – arquivos pessoais)
Mais um caso de intolerância religiosa contra o povo do Axé tem causado indignação no estado do Pará, recentemente o Terreiro Casa de Mãe Mariana, localizado na capital do estado e dirigido pela Yalorixá Jussilene Natividade Maia, conhecida por Mãe Jú, foi alvo de denúncias de vizinhos que alegam estar sendo incomodados “pelo barulho dos tambores e pela gritaria”.
O Dr. Rodrigo da Silva Leite, advogado que recentemente assumiu a defesa de Mae Jú neste caso, relatou à Rádio Atabake a forma discriminatória como a situação vinha sendo conduzida, incusive com a falta de garantia do direito à ampla defesa por parte da líder religiosa, que não foi assistida por advogado, dentre outras irregularidades, como por exemplo a atuação do Ministério Público ter se baseado em um “abaixo-assinado” onde um número absurdo de pessoas se diz incomodada com o Terreiro, inclusive sem a correta identificação destas pessoas, sendo que tal número de vizinhos é claramente incompatível com as residências próximas e classificando o caso como intolerância religiosa institucional.
A situação já se arrasta por cerca de 2 anos, durante os quais Mãe Jú foi intimada várias vezes a comparecer ao Ministério Público e ao fórum, sendo compelida a assinar um Termo de Ajuste de Conduta no final de 2023, onde, de forma arbitrária, restou obrigada a cessar as atividades religiosas e inclusive mudar-se do local, algo sem precedentes e que claramente afronta o direito de liberdade religiosa constitucionalmente garantido a todos e o princípio da dignidade humana. Na audiência onde foi constrangida a assinar o TAC, Mãe Jú não teve garantido o direito de ser assistida por advogado, e relata que “a promotora fez uma fala intolerante, comparando a umbanda ao Carnaval“.

Por fim, com a continuidade das práticas de intolerância religiosa por parte de vizinhos que apresentaram novas denúncias, recentemente o Ministério Público ingressou com uma Ação Civil Pública junto ao Tribunal de Justiça do Pará (Processo 0867928-98.2024.8.14.0301), onde pede em liminar a ordem de fechamento do Terreito sob pena de multa de até R$ 50.000,00.

O magistrado responsável postergou a decisão do pedido liminar, concedendo prazo para apresentação de manifestação preliminar:

No dia 13 de setembro a Rádio Atabake ouviu, além do Dr. Rodrigo e de Mãe Ju, também o presidente da Sociedade Paraense de Direitos Humanos – Dr. Nildon Deleon Garcia da Silva, que externou sua preocupação com a situação apresentada, uma vez que o caso remete às mesmas arbitrariedades impostas aos religiosos de matriz africana ao longo de 500 anos da história do País. Participaram ainda da entrevista o presidente da Federação Espírita Umbandista dos Cultos Afrobrasileiros do Pará – Babá Gadelha, e o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seccional da OAB-PA – Dr. José Maria dos Santos Vieira Junior, todos prestando sua solidariedade à Mãe Jú e àquela comunidade tradicional de Terreiro.
Nas palavras do representante da OAB-PA, Dr José Maria, “isso é racismo religioso, não tem outro nome“, acresecentando que o Ministério Público “não deve ter como prioridade a fé de pessoas pretas“, enquanto barulho existe em toda a cidade de Belém inclusive produzido por outras instituições religiosas. Ainda nas palavras do Dirigente da OAB, “o Ministério Público deveria garantir o direito destas pessoas expressarem sua fé, e não obrigá-las a se mudar“. Por fim, Dr. José Maria informou que a Seccional da OAB-PA deverá adotar as medidas cabíveis junto ao Conselho Nacional do Ministério Público, bem como, atuar na defesa do Terreiro de Mãe Jú, uma vez que não se trata de um caso isolado, pois sua Comissão vem recebendo diversas denúncias envolvendo atos discriminatórios contra comunidades de Terreiro.
Mãe Ju relatou o abalo emocional com tais fatos, sentindo-se humilhada por não poder exercer plenamente o direito de expressar sua religiosidade, referindo inclusive que se sente revivendo a angústia de seus antepassados quando sofriam com as arbitrariedades do colonizador, manifestando contudo sua confiança de que a situação será esclarecida em breve.

Foto da reunião realizada no Terreiro Casa de Mãe Mariana no dia 13/09/2024, com a participação dos representantes das diversas entidades que estão atuando no caso.